
A indústria de carros elétricos da China cresceu de forma avassaladora nos últimos anos por conta de anos de subsídios e políticas governamentais, mas isso gerou outro problema, o excesso de produção. Como as metas de subsídios premiam a produção de carros elétricos e não sua comercialização, o resultado direto tem sido o excesso de oferta para a demanda, ou seja, a quantidade de EVs disponíveis para venda supera e muito a capacidade de compra da população chinesa.
Indo além, a produção de carros elétricos na China supera até mesmo a demanda global. Neste artigo investigativo, a Reuters mostra que a indústria está mais interessada em atingir metas de produção para ganhar estímulos do governo do que realmente atender a demanda, seja ela interna ou externa. Com preços a partir de US$ 10 mil, fica difícil para que os fabricantes tenham lucro. Além disso, com pátios lotados de carros não vendidos, os concessionários também não conseguem lucrar, e precisam fazer promoções cada vez maiores, reduzindo os preços.
Parte dessa produção vai para sites como o Zcar, que vende Audis fabricados na China com 50% de desconto, ou um SUV da chinesa FAW por US$ 22.300, 60% do seu preço sugerido, conforme a apuração da Reuters. Outros são vendidos em redes sociais em ofertas, ou ainda exportados como veículos “seminovos”, mesmo que com a quilometragem zerada.
O paradoxo do líder com pátios lotados
O paradoxo é claro, a China é líder em vendas de veículos elétricos há uma década, com impressionantes 11 milhões de unidades comercializadas no ano passado, mas ainda assim ainda sofre com estoques encalhados e margens de lucro negativas.
Mas, como a situação chegou nesse ponto? É simples, governos locais ofereceram terras com preços acessíveis e subsídios para montadoras em troca de metas de produção e receita fiscal, buscando aumentar a oferta de empregos e a arrecadação.
Segundo informações do Instituto de Pesquisas Automotivo Gasgoo (Gasgoo Automotive Research Institute), consultoria ouvida pela Reuters, as fábricas da China têm a capacidade de produzir o dobro dos 27,5 milhões de carros fabricados no ano passado. Outra consultoria, a AlixPartners, acredita que só 15 das 129 marcas de carros elétricos ou híbridos da China serão financeiramente viáveis até 2030.
Conheça a história dos subsídios do governo chinês para a indústria de EVs
Tudo começou em 2009, quando o governo da China lançou um programa estimulando os fabricantes a produzirem veículos elétricos, assim como o seu consumo pela população local. Em 2017, o governo lançou um extenso documento chamado “Plano de Médio e Longo Prazo para o Desenvolvimento da Indústria Automotiva”, que incluia a meta de produção de 35 milhões de EVs até 2025, ou o equivalente ao dobro do recorde de venda anual nos Estados Unidos.
Entenda a situação da gigante BYD
A BYD, líder em vendas no mercado, também tem ajustado suas metas de vendas para refletir essa nova realidade. A meta de vendas para 2025, que era de 5,5 milhões de veículos elétricos, foi ajustada para 4,6 milhões.
Em 2021, o governo de Changfeng, na região de Anhui, conseguiu atrair a BYD com a oferta de terras baratas, e acabou ganhando uma mega fábrica da empresa. A aposta deu certo, e em 2023, o crescimento econômico da região passou a média nacional chinesa em 9,1%. No ano passado, o resultado foi 5,6% melhor que a média de crescimento chinesa.
O que vem por aí?
Por enquanto, o governo chinês não anunciou nenhum plano para lidar com o excesso de produção de veículos elétricos, assim muitas montadoras seguem fabricando EVs mesmo com prejuízo, para garantir seu fluxo de caixa e continuarem recebendo benefícios fiscais.
Resta saber se será possível evitar a falência de muitas empresas, o que pode gerar desemprego e queda no consumo. No ano passado, a energia limpa, incluindo EVs, foi responsável por 10% do PIB chinês. De qualquer forma, é possível que a indústria automotiva chinesa passe por grandes mudanças nos próximos anos, e nós iremos acompanhar tudo por aqui.