Um novo estudo lançado pelo Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT Brasil) alerta que o Brasil está em risco de ter seu mercado automotivo dominado por tecnologias ultrapassadas e falhar em suas metas de emissões.
Intitulado Estratégias para veículos elétricos entre as principais montadoras: Comparando o Brasil com outros principais mercados, foi desenvolvido por André Cieplinski, Guido Haytzmann, Ilma Fadhil e Chang Shen, do ICCT Brasil. O estudo indica uma lacuna entre as estratégias de vendas e fabricação de veículos de zero emissão adotadas pelas principais montadoras no país em comparação com seus compromissos globais. Afirma que, sem políticas governamentais ambiciosas e metas claras de descarbonização, o Brasil corre o risco de não atingir a neutralidade de carbono até 2050.
O ICCT comparou as estratégias no Brasil com as adotadas em mercados como China, Europa, Estados Unidos, Japão, Índia e Coreia do Sul, expondo que os compromissos com a fabricação de EVs no Brasil não estão alinhados com as metas assumidas nas outras regiões.
Liderança chinesa
A pesquisa do ICCT Brasil revela que, em 2023, as seis maiores montadoras tradicionais no país — Stellantis, Volkswagen, GM, Toyota, Renault e Nissan — tiveram uma presença mínima no mercado nacional de veículos elétricos a bateria (BEVs) e híbridos plug-in (PHEVs).
Em forte contraste, o mercado de VEs no Brasil foi dominado por três fabricantes chineses: BYD, Great Wall e Geelly (responsável pelas marcas Volvo Cars e Zeekr). Ao analisar as 10 maiores montadoras no país (incluindo também Honda, Hyundai-Kia, Chery e Ford), o relatório aponta que nenhuma ultrapassou 5% de participação em vendas de EVs. Esse desempenho é considerado inferior ao observado pelas mesmas montadoras em outros mercados globais.
O ICCT observa que as montadoras líderes de mercado no Brasil continuam priorizando o desenvolvimento e a venda de híbridos flex e veículos a combustão interna, em vez de modelos totalmente elétricos.
Enquanto o discurso da indústria e do governo é de que o etanol e outros biocombustíveis sejam uma opção nacional para emissões zero, o ICCT considera essa interpretação equivocada. Considera que, por o Brasil possuir uma matriz elétrica altamente renovável, isso faz dos BEVs a opção mais eficiente para a redução de emissões no país. Calcula que os BEVs no Brasil emitem menos CO₂ do que em todos os outros mercados analisados no mundo, enquanto os híbridos e híbridos plug-in flex resultam em emissões mais altas se comparado às outras regiões.
O estudo calcula que as emissões estimadas de híbridos plug-in a gasolina no Brasil ficaram apenas 10% abaixo das emissões médias de todos os automóveis de passageiros novos, incluindo combustão interna (134 g CO2e/km), enquanto as de híbridos flex (plug-in ou não) ficaram 22% abaixo da média. A razão para um desempenho tão fraco dos híbridos plug-in comparados ao resto do mundo, segundo o estudo, é que os consumidores não estão usando eles no modo puramente elétrico, por falta de infraestrutura, baixa autonomia e oferta concentrada em veículos maiores.
Programas equivocados
Entre 2025 e 2030, está previsto que as principais montadoras invistam mais de R$ 130 bilhões no Brasil através do Programa Mobilidade Verde e Inovação (MOVER), a iniciativa governamental de incentivo fiscal e metas de redução de carbono. O ICCT acredita que a maior parte desses investimentos deve ser direcionada para o desenvolvimento de híbridos e veículos a combustão interna, em vez de priorizar os veículos elétricos a bateria.
O relatório critica a ausência de políticas que demandem a descarbonização no Brasil, o que resulta em montadoras que não definiram metas claras para o mercado local. A maioria das montadoras presentes no Brasil, afirma o estudo, não estabeleceu metas nacionais de descarbonização. Aquelas que definiram metas globais as aplicam de forma menos ambiciosa (em alcance ou prazo) no Brasil do que em outros mercados analisados.
Além disso, a cobertura de modelos elétricos é menor no Brasil: nenhuma montadora oferece uma linha de BEVs comparável à disponível em outros países, e os PHEVs são limitados e concentrados majoritariamente em SUVs.
Retrocessos no exterior
Um aparte nosso: o estudo não leva em conta os retrocessos recentes das montadoras, provavelmente porque foi criado antes deles. Afirma que a Stellantis apostava em híbridos flex no Brasil, mas temum plano de 100% de EVs para a Europa até 2030. Não é mais o caso: a empresa afirmou que vai abandonar esse plano no mês passado. Também fala na Volswagen, mencionada como líder em EVs na Europa não tendo metas para o mercado brasileiro – é outra que falou que vai diminuir seus investimentos em eletrificação na Europa.
Montadoras legacy parecem acreditar muito no potencial de retrocesso mundial após a eleição de um negacionista climático nos Estados Unidos. Várias delas parecem estar agora num momento de, digamos assim, acender uma vela para Deus, outra para o Diabo. Isso põe em dúvida suas narrativas de responsabilidade ambiental, mas faz sentido ponto de vista dos negócios, com o país mais rico do mundo tentando ele próprio se converter em uma reserva de atraso. Basicamente o que o ICCT teme para o Brasil.
Recomendações para o Brasil
Apesar do aumento consistente nas vendas de veículos elétricos (mais de 100% de crescimento de emplacamentos no último ano), o estudo conclui que o Brasil ainda está aquém do seu potencial para assumir a liderança na transição para uma frota de baixa emissão, mesmo com sua matriz elétrica altamente renovável.
Para mitigar este cenário, o relatório recomenda fortalecer a segunda fase do Programa MOVER (2027–2032) com a implementação de metas de redução de emissões mais ambiciosas que acelerem a transição para carros elétricos. O ICCT sugere incentivos inteligentes, como a criação de um sistema feebate que recompense a compra de veículos de zero emissão e penalize aqueles com maior pegada de carbono, criando um mecanismo de mercado eficaz para a descarbonização.