“Ressuscitar a combustão interna não terá futuro”, afirma diretor de ONG internacional

Em entrevista ao evdrops, Diretor do ICCT Brasil fala do país, do etanol e da tentativa da indústria aqui e lá fora de ressuscitar a combustão interna

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Publicado em: 22 de outubro de 2025

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Editado em: 22 de outubro de 2025 12:10

Fundado em 2001 em Bellagio, Itália, o International Council for Clean Transportation (“Conselho Internacional para o Transporte Limpo”) é uma ONG atualmente com sede em Washington (EUA). O ICCT faz advocacia pela transição energética. Patrocinada por diversas instituições como a ClimateWorks Foundation, Hewlett Foundation and David and Lucille Packard Foundation, a ONG foi responsável por revelar o escândalo das emissões de 2015, no qual a Volkswagen foi implicada em falsificar seus testes.

Com uma filial no Brasil, recentemente o ICCT publicou um alerta sobre a possibilidade do país acabar se tornando uma espécie de ferro velho tecnológico do planeta, insistindo na tecnologia da combustão interna enquanto o resto do mundo avança na eletrificação.

A pedido do evdrops, o diretor geral do ICCT Brasil, Marcel Martin, respondeu a algumas questões a respeito do tema. Veja a seguir a entrevista.

Foto de Marcel Martin, diretor geral do ICCT Brasil
Marcel Martin, diretor geral do ICCT Brasil | Reprodução

evdrops: A indústria e o governo no Brasil parecem concordar que o etanol é uma tecnologia importante para o Brasil, quase uma questão de nacionalismo. Esse ainda é o caso? Por que não o etanol?

Marcel Martin: O etanol ainda baseia a indústria automobilística no motor a combustão. Se olharmos ao redor do mundo, a indústria automobilística está se movendo para a eletrificação. Neste contexto, se o Brasil não se posicionar ou não começar a, de fato, ter uma produção nacional deste tipo de veículo [elétrico], vamos perder espaço. Apesar de não termos marcas nacionais, temos uma indústria que opera no contexto doméstico, com produção nacional.

Também é importante dizer que o etanol tem outras aplicações para além de veículos leves. Um exemplo é o combustível de aviação, os chamados SAFs, Sustainable Aviation Fuels, com o uso do etanol como fonte para a produção.  O valor agregado é muito maior, com demanda nacional e internacional crescente. 

A indústria internacional legacy parece também se mover na direção de ressuscitar a combustão interna. Por que fazem isso? É uma questão de sobrevivência para elas?

A indústria sempre vai olhar para onde há mais lucro, o que não tem nada de errado. Mas nós sabemos que existem condições climáticas prementes, uma situação de emergência climática e uma situação de transição. A indústria chinesa tem dominado esse mercado – portanto, todas as outras indústrias estão buscando a melhor forma de se posicionar. Algumas delas, infelizmente, querendo trazer ou reforçar a combustão interna, mas é uma questão de competitividade de mercado – não há dúvida de que a transição irá para o elétrico, a questão é quem vai estar à frente deste mercado. Então, ressuscitar a combustão interna pode ser uma estratégia imediatista, mas sem dúvida a médio e longo prazo, não terá futuro.

Se a combustão interna voltar, isso evitaria um isolamento tecnológico do Brasil?

A eletrificação veio para ficar, não acho possível que haja uma retomada da combustão interna, o que pode acontecer, por vezes, é um adiamento. Temos que tomar cuidado, porque o Brasil, e outros países emergentes do sul global, é que vão mais sofrer com isso. Quando olhamos Estados Unidos e Europa, por mais que possam existir algumas situações contraditórias, hoje em dia, já existem plantas e um processo de eletrificação consolidado. No Brasil, isso pode tomar outras formas, o que pode nos levar a ficar com uma tecnologia obsoleta.

É indiferente um híbrido ser plug-in ou não no Brasil? Por que híbridos plug-in se saem tão mal em emissões?

Sim, é muito diferente. Um híbrido não sendo plug-in tem uma bateria muito pequena e só auxilia eletricamente a condução. Já o plug-in tem uma bateria maior e, por consequência, uma autonomia maior rodando no modo elétrico. Ainda assim, é importante destacar, como os estudos do ICCT mostram, que o plug-in, muitas vezes, tem o uso no modo elétrico menor. Existem vários estudos, considerando diferentes cenários, que mostram o impacta no cálculo de emissões. Então, tem que ter esse cuidado para saber o real uso do modo elétrico neste tipo de veículo. Além disso, é preciso ter uma clareza do tamanho da bateria, porque, no final, a autonomia é o que vai ditar se esse carro está usando mais ou menos o modo elétrico – com emissões maiores ou menores. Em resumo, existe uma diferença grande entre o plug-in e o chamado Mild/Suave.

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