
No último episódio episódio do podcast Office Hours: Business Edition. o CEO da Ford, Jim Farley afirmou que sua empresa “não pode se dar ao luxo” de abandonar os veículos elétricos, mesmo com a desaceleração do mercado americano. E fez algumas declarações surpreendentes, tecendo elogios aos chineses e à Tesla, e explicando qual é a estratégia da empresa para eletrificação após o fim dos subsídios nos EUA.
A primeira vista, isso parece ir na direção oposta às últimas declarações do CEO. Quando os subsídios foram encerrados, há pouco mais de um mês, Farley falou que o fim dos subsídios daria trabalho para a Ford, mas faria bem ao país, e previu uma queda de 50% no mercado, já anunciando a transferência de recursos físicos e humanos para combustão interna. Logo depois, a Ford paralisou a produção da F-150 Lightning, a caminhonete elétrica mais vendida dos EUA, por tempo indeterminado.
Mas as declarações são coerentes com uma mudança radical de estratégia da empresa em relação a EVs que já vinha se delineando por outras notícias.
A revelação de Farley
No podcast, Farley foi muito além de só dizer que a Ford não vai abandonar elétricos: confessou que se sentiu “muito humilhado” após desmontar e analisar carros elétricos da Tesla e, principalmente, de concorrentes chinesas.
O CEO, que já havia dito que as montadoras chinesas representam uma “ameaça existencial” para as marcas ocidentais, detalhou sua experiência. Ele revelou que a Ford importou um Xiaomi SU7 de Xangai para Chicago no ano passado e, após dirigi-lo por alguns meses, ele “não queria devolver”.
“Os EVs estão explodindo na China”, disse Farley. A Ford agora entende que, para sobreviver como uma empresa global, não pode simplesmente ignorar o segmento de elétricos. “Não podemos abandonar os EVs, não apenas pelos EUA. Mas, se quisermos ser uma empresa global, não vou dar isso de mão beijada aos chineses.”
Essa, em suas palavras, “revelação chocante” com dirigir o Xiaomi, é o que está forçando a Ford a reformular todo o seu programa de eletrificação, mudando o foco de grandes e caros VEs para modelos menores e mais acessíveis.
Mudança de direção
“O mercado de EVs nos EUA é totalmente diferente do que pensávamos”, explicou Farley, apontando que os compradores não procuram EVs de “US$ 70 a 80 mil”, mas opções mais acessíveis.
Essa, e não uma é a razão pela qual a estratégia anterior da Ford, focada no Mustang Mach-E e na F-150 Lightning, está sendo repensada. Farley criticou a complexidade dos modelos atuais, observando que o Mach-E tinha cerca de 1,6 km de fiação elétrica, o que exigia uma bateria maior e mais cara.
Para se manter competitiva, a Ford está apostando tudo em sua nova “Plataforma Universal EV”, uma arquitetura de baixo custo. O objetivo, segundo a empresa, é igualar a estrutura de custos das principais marcas chinesas.
O primeiro veículo planejado para essa nova plataforma é uma caminhonete elétrica de porte médio, com preço inicial estimado em cerca de US$ 30.000 (~R$ 168 mil) e com lançamento previsto para 2027. Para atingir esse preço, a Ford usará baterias LFP (fosfato de ferro-lítio), mais baratas, licenciadas da gigante chinesa CATL, que serão fabricadas na nova fábrica da Ford em Michigan.
A Ford, como a maioria das montadoras tradicionais, está lidando com um cenário ruim para EVs nos próximos meses nos Estados Unidos, por conta do fim do crédito fiscal de US$ 7.500 e outras mudanças políticas da administração Trump. Além do próprio fim do subsídio tornando todos os elétricos mais caros do dia para a noite, o prazo final para aproveitar essas vantagens levou a uma corrida às concessionárias, com recordes de vendas e a demanda sendo temporariamente satisfeita.
As revelações indicam que a empresa parece ter um plano de longo prazo mundial, além de reagir às intempéries do governo americano.