Programa Carro Sustentável: dos 5 carros mais beneficiados, 4 já eram os mais vendidos

Para ter seu IPI zerado em nome da “sustentabilidade”, um veículo pode ser até 4,6 vezes mais poluente que um elétrico

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Publicado em: 29 de outubro de 2025

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Editado em: 30 de outubro de 2025 12:10

Foto do capô aberto mostrando o motor do Fiat Argo 1.3
Fiat / Divulgação

Um novo levantamento da Webmotors Autoinsights revelou que, nos primeiros três meses de vigência do Programa Carro Sustentável, a procura por modelos e versões contemplados pela iniciativa cresceu 13% no Brasil. O estudo comparou o número de buscas e visitas na plataforma Webmotors no período de 11 de julho a 11 de outubro, em relação aos três meses imediatamente anteriores ao lançamento do programa.

A pesquisa demonstra o impacto do programa no mercado brasileiro: nenhum. Ganha quem já estava ganhando. Essa é a conclusão possível ao avaliar que os modelos que tiveram sua procura beneficiada pelo programa.

(A gente já havia dado basicamente a mesma notícia antes e até reciclamos a imagem, porque agora é só a confirmação da tendência.)

Os campeões “sustentáveis”

Pelos números das buscas, o Fiat Argo observou o maior crescimento, com alta de 30% no acumulado dos três meses do programa em suas versões contempladas. Esse era o terceiro carro mais vendido emplacado em junho, de acordo com o relatório da Fenabrave.

O segundo mais beneficiado foi o Hyundai HB20S. Esse era o 25ᵒ mais vendido em junho, mas é a versão sedan do HB20, o 4ᵒ lugar no mesmo mês. O HB20S subiu 21% nas buscas.

Seguem-se o Renault Kwid, com +17%, o 10ᵒ mais vendido em junho. Chevrolet Onix, +16%, 5ᵒ mais vendido. E, por fim, o Volkswagen Polo – 15%, o carro mais vendido do Brasil em junho.

Se a gente contar o HB20S como uma versão do HB20, os 4 dos 5 mais vendidos antes do Programa Carro Sustentável já estavam entre os 5 carros mais vendidos no Brasil. A exceção é o T-Cross, que não se enquadra no Programa, e o Kwid, que ainda assim estava nos 10 mais. Se não contarmos, o HB20S é a única exceção: mas não é muito diferente em sustentabilidade que a versão hatch – que também se beneficia do programa, mas cujas buscas ficaram estáveis pela Webmotors: apenas 1%.

Sem elétricos no sustentável

A iniciativa Carro Sustentável, liderada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), foi criada para incentivar a “sustentabilidade” e a produção local. Ele oferece IPI Zero para veículos mais econômicos e fabricados no Brasil.

Suas regras beneficiam os veículos que, num país de renda média como o Brasil, onde o flex 1.0 impera, já eram os mais procurados. São elas:

  • Níveis de emissão de CO₂ menor que 83g por km;
  • Conter mais de 80% de materiais recicláveis;
  • Ser compacto;
  • Ser fabricado no Brasil.

O parte que mantém as coisas como estão está no final: o “fabricado no Brasil” estabelece especificamente o que deve ser feito por aqui: todas as etapas de soldagem, pintura, fabricação do motor e montagem. É uma regra nacionalista, não de sustentabilidade, e basicamente exclui qualquer veículo elétrico atual, inclusive o Dolphin Mini feito no Brasil. Porque, ao menos por enquanto, eles ainda vem com kits (SKD) prontos do exterior. E os híbridos plug-in nacionais, como o Caoa Tiggo 7, não são compactos.

4,6 vezes menos sustentável que um elétrico

De onde vem esses 83g por km aliás? O número aparentemente arbitrário, que não foi explicado pelo governo, parece ter sido escolhido especificamente para contemplar os carros 1.0 já vendidos no Brasil, não exigindo qualquer mudança. Em 2023, a média de CO₂ por km dos carros mais vendidos do Brasil era de 96 g por km. A média geral de todos os modelos ofertados no Brasil (sem considerar vendas) é de 134 g CO2/km, segundo dados do ICCT (Conselho Internacional de Transporte Limpo).

Assim, o número contemplado pelo Programa Carro Sustentável é 39% menor que a média de tudo o que você encontra na concessionária por aqui. Bom o suficiente?

Recentemente, a ONG Transport & Environment apresentou uma denúncia de que híbridos plug-in estavam emitindo 5 vezes mais do que oficialmente era declarado pelas montadoras. O número considerado abusivo era 68 gCO₂ /km.

Retornando ao ICCT, como o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, é o país mais ideal para eletrificação de todos testados. Aqui, o impacto de um carro elétrico é muito maior que em países com matrizes mais sujas. Elétricos brasileiros emitem 18 gCO₂ /km. Nos Estados Unidos, são 45 gCO₂ /km, para comparação.

Assim sendo é a média dos elétricos no Brasil – e considerando que muitos elétricos ofertados no Brasil são SUVs grandes e pouco eficientes – é, assim, 4,6 vezes mais sustentável sem aspas do que o “carro sustentável” ideal do governo.

Incentivar a indústria nacional é parte do estilo nacionalista com que Lula governa (para bem e para mal). E tudo bem com isso – o evdrops não é composto por editorialistas da Folha. Mas o programa bem que poderia se chamar “Programa Carro 1.0 Nacional” e seria mais descritivo.

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